Antecedentes da imigração: A Alemanha pré-unificação


A Europa na segunda metade do século XIX não era o melhor lugar do mundo para se estar. Ao contrário da visão atual que temos sobre o velho continente, estável politicamente e economicamente forte, não havia nada naquele momento da história que indicasse o presente vitorioso da velha Europa.

Era o auge dos grandes impérios coloniais. Especialmente a Inglaterra, no ápice do seu poder. Era governado por uma rainha sisuda, reclusa e que representou a estabilidade, a paz e o poder: a Rainha Vitória (1837-1901). No auge do seu poder, dizia-se que “no império britânico, o sol nunca se põe”. A Inglaterra dominava uma massa de seres humanos e extensões de terra que se estendiam pela América Central, África do Sul, Norte da África, Palestina, Arábia, Oriente Médio, toda a Índia, Austrália, Nova Zelândia e parte da Indochina.

A França também possuía uma imensidão de colônias, especialmente na Ásia e na África. Em 1870, os territórios ocupados pelos franceses contabilizavam cinco milhões pessoas e cobriam mais de um milhão de quilômetros quadrados.

Portugal e Espanha, depois de enfrentarem processos de Independência de suas colônias na América na primeira metade do século XIX, estavam relegadas ao segundo plano das potências coloniais, mantendo poucos domínios na África, Índia e Ásia.

Além das grandes potências, haviam os estados europeus que ainda teimavam em manter a mesma estrutura herdada do sistema feudal, com seus principados, ducados, pequenos reinos, cada qual com sua estrutura de poder, suas leis e sua religião. A Alemanha e a Itália eram os exemplos mais notórios dessa estrutura. A Itália em grande parte era dominada por reinos de destaque no cenário político Europeu, como o Reino das Duas Sicilias (O Imperador do Brasil, D. Pedro II era casado com uma Princesa do Reino das Duas Sicilias, D. Teresa Cristina de Bourbon-Duas Sicilias, filha do Rei Francisco I), o Reino de Savóia e os poderosos Estados Pontifícios.

A Alemanha era um quebra-cabeça. Organizados como uma grande confederação – o Sacro Império Romano-Germânico – uma hidra, existente desde o século IX, capenga desde o século XVII, que era composta de grandes estados, como a Áustria, a Hungria e a Prússia, e de pequenos reinos e principados minúsculos, que não é possível sequer visualizá-los em um mapa. E era conveniente para as grandes potências europeias, especialmente para a Inglaterra, que tudo seguisse desta forma.

A Alemanha antes da Unificação


Após o trauma das Guerras Napoleônicas (1804-1815) a Europa se reorganizou politicamente no Congresso de Viena (1814-1815). Esta nova organização foi baseada no princípio do equilíbrio do poder, organizando a Europa em esferas de influência. Esta reorganização, que assistia aos interesses sobretudo da Inglaterra, da França e da Áustria, foi a pá de cal sobre as aspirações nacionalistas de italianos e alemães, que não possuíam um estado nacional para chamar de seu. Os principados alemães, em sua maioria apoiadores de Napoleão, ficaram sob a influência da Áustria. O Sacro Império, moribundo, foi extinto de vez. Para aumentar a influência da dinastia Habsburgo (que governava o Sacro Império, e à partir de sua dissolução, a Áustria-Hungria), sob os estados alemães, foi criada uma Confederação Germânica (1815-1866), cuja sede era em Frankfurt. Na prática, os príncipes austríacos não permitiam qualquer tentativa de que outros estados mais fortes, como o Reino da Prússia, tentassem estabelecer uma influência sobres os principados menores, consolidando seu poderio. Em síntese, o bom e velho sistema feudal à moda germânica, sobrevivendo como pode, na Europa do século XIX.

A onda liberal que estava varrendo o continente desde a Revolução Francesa, que havia decapitado reis, fomentado revoluções, processos de independência nas Américas e o grande poderio econômico que possibilitou a Inglaterra ser a dona do mundo, não havia chegado no centro da Europa. As ideias liberais seriam aos poucos implantadas. Primeiro, com a União Aduaneira (Zollverein), que facilitaria o comércio entre os estados. Porém, o processo de transição tardia para o capitalismo não foi fácil. Houveram grandes crises econômicas, ondas de fome e falta de trabalho. E, claro, como era comum naquele tempo – e hoje, de certa forma – um distanciamento das elites e da nobreza dos problemas do cotidiano, sobretudo das classes subalternas. A industrialização também foi um fator de enorme preocupação para as classes que dependiam do trabalho, sobretudo no campo, para a sobrevivência. Pessoas abandonavam suas terras e sua lavoura para ir às cidades em busca de trabalho mais rentável. Houve uma grande onda de fome na Europa Central na década de 1840, e claro, os governos não tinham a menor habilidade para lidar com a situação, provocando revoltas populares e a sua consequente repressão – sempre violenta.

O boom tecnológico provocado pela Segunda Revolução Industrial também teve um papel importante. As primeiras linhas férreas foram construídas na Alemanha entre 1830 e 1860. Quanto mais máquinas, mais minério de ferro, carvão, e mão de obra era necessária. Surgiram siderúrgicas, fábricas, estaleiros. Em outro momento, o telégrafo, a eletricidade, o telefone.

A nobreza, mesmo detendo o poder político, não podia mais deter o espírito empreendedor, nem os movimentos que surgiam das massas trabalhadoras. Não se aceitava mais que príncipes ou nobres ditassem as leis, especialmente se estas fossem criadas para satisfazer seus próprios interesses. Era o momento de reformas. Ou a nobreza fazia por conta própria ou seria forçada a fazer. Não havia mais o poder imposto pelo feudalismo. A vassalagem deixou de existir e estabeleceu-se – ao menos em teoria – a igualdade de todos perante a lei. Mas esse processo não foi total. Alguns príncipes insistiam em manter a estrutura feudal em seus estados.

O desenvolvimento da tecnologia fez surgir o operariado. Eram trabalhadores artesãos, que com o advento das máquinas, empobreceram, e não tinham mais os meios de competir com a rapidez da indústria. Então, a saída era correr para os centros industriais à procura de trabalho. Juntavam-se a eles pessoas que não podiam mais viver sob o sistema feudal. Camponeses, sem qualquer qualificação para o trabalho na indústria, mas que não possuíam outra perspectiva.

As cidades industriais da Alemanha receberam um grande fluxo migratório de camponeses. Empregados, com baixíssimos salários e a maioria, desempregada, foi responsável pela criação de bolsões de pobreza. Não havia qualquer infraestrutura nos bairros operários, o que significava falta de higiene, promiscuidade e extrema miséria.

Como consequência do rápido crescimento da indústria e da diversificação das fábricas, surgiram ricos industriais com suas enormes companhias, algumas existentes até hoje, como a Bayer (1865), Krupp (1811) e Mercedes-Benz (1871). Mas não havia comprometimento algum quanto a segurança dos operários, nem qualquer tipo de previdência. Com uma massa de pessoas à procura de emprego, simplesmente dispensava-se gente doente e idosa e contratava-se gente nova. A massa de operários que produzia a riqueza industrial estava na mesma situação dos camponeses do feudalismo: na miséria.

Devido às condições subumanas a que estavam submetidos, os trabalhadores deixaram-se convencer da necessidade de criar mecanismos de proteção ao trabalho e a previdência. Nasceram sindicatos e ligas operárias, que lutavam por direitos, melhores condições de trabalho e salários mais decentes. A fagulha já havia sido acesa, mesmo da publicação do Manifesto do Partido Comunista em 1848, por dois filósofos alemães: Karl Marx (1818-1883) e Friederich Engels (1820-1895), quando o exército prussiano sufocou violentamente uma revolta de tecelões na Silésia.

A tudo isso, somou-se um vertiginoso crescimento populacional. Havia um proletariado rural sem qualquer qualificação para o trabalho, migrando de forma massiva para as cidades. Estava dada a largada para a emigração em massa, consequência do grande desnível social que existia na Alemanha, mesmo após a Unificação e a formação do Império Alemão em 1871.

Autor: Cleandro G. Boeira, Museu Municipal Eduardo de Lima e Silva Hoerhann

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