Antecedentes da Imigração: Brasil, economia e escravidão



Já mencionamos aqui em postagens anteriores o estrago que as ambições de Napoleão fizeram na Europa. Esta situação refletiu-se no Brasil, do outro lado do Atlântico. Além de modificar nosso status político, foi determinante para que nossa economia sofresse modificações a longo prazo.

No início do século XIX, Portugal era governado por um Rei que passou parte da vida sem qualquer esperança de ascender ao trono: D. João VI.

D. João VI, Rei de Portugal, Brasil e Algarves e D. Carlota Joaquina


Nascido em 1767, durante o reinado de seu avô, D. José I, era o segundo filho de D. Maria e D. Pedro, que também era seu tio. Teve uma infância e adolescência discreta, já que era apenas um infante, e na linha sucessória do trono, estava atrás do seu irmão, D. José. Com 10 anos, em 1777, viu a mãe, D. Maria I assumir o trono de Portugal. À respeito do pequeno João, os historiadores portugueses dizem que sua mãe não foi tão zelosa em sua educação, visto que não havia possibilidade dele tornar-se Rei. Em 1785, casa-se com uma princesa Espanhola, Carlota Joaquina, filha do Rei Carlos VI, que na ocasião do casamento tinha apenas 10 anos, enquanto seu noivo, contava com 18. Porém, tiveram que esperar até a princesa completar 15 anos para consumarem o casamento, em 1790. Logo, nasceu Maria Teresa, a primeira de nove filhos.

O dolce far niente de D. João durou até 1788, quando seu irmão mais velho morreu repentinamente. A partir daí, ele passou a ser o herdeiro do trono. Enquanto seu irmão, preparado e bem educado, era visto como um possível rei “iluminado”, ou seja, simpático aos princípios liberais do iluminismo, D. João era mal-educado e tosco, sem qualquer preparo para o cargo que teria que exercer. Era extremamente religioso e influenciável, segundo os seus biógrafos, além de sofrer nas mãos da esposa, D. Carlota Joaquina, de personalidade forte, conspiradora e empilhando casos de infidelidade conjugal. Além do mais, sua saúde era frágil, ficando doente por longos períodos.

Em 1792, a saúde mental da Rainha deteriorou-se à ponto de uma junta médica declarar que ela era incapaz. João seria, então, príncipe regente, e teria que governar mesmo antes de ser coroado rei. E, para o pobre João, período pior não havia: a Revolução Francesa e seus ideais estavam no auge, e cabeças coroadas eram guilhotinadas sem qualquer escrúpulo, o que aterrorizava os reinos absolutistas da Europa. Portugal era aliado da Inglaterra, o que dava certa segurança, pois os ingleses possuíam uma poderosa força naval, que poderia assegurar o trono de D. João diante de uma iminente demonstração de força da França. Além de uma sólida parceria comercial, que era muito mais vantajosa para os ingleses do que para Portugal.

Com a ascenção de Napoleão em 1804 e o decreto de 1806 do Bloqueio Continental (no qual Napoleão proibia o acesso de navios mercantes britânicos a portos do continente com o objetivo de solapar a economia da Inglaterra), a situação de Portugal diante da situação imposta piorou. Houve pressão da França para que os portugueses aderissem ao bloqueio. D. João simplesmente recusava-se a responder, por puro medo. Se fosse favorável a França, seria certamente atacado pela Inglaterra, e teria a sua principal colônia – e a mais rica – o Brasil, tomado pelos ingleses. Se fosse favorável a Inglaterra, poderia perder o trono, ou até a vida, pois tropas francesas já estavam invadindo a Espanha, onde seu cunhado reinava.

Napoleão Bonaparte, Imperador da França

A solução foi dada pelos Ingleses. Transferir toda a administração do Império Português para o outro lado do Atlântico, no Brasil. Assim, o Rei, toda a burocracia do estado, a biblioteca, os arquivos, o tesouro real, enfim, tudo, seria transferido de Lisboa para o Rio de Janeiro. Simples assim.

Nem tanto. Além da família real, dos funcionários e burocratas, estima-se que mais de 30 mil pessoas embarcaram nas naus portuguesas e britânicas que fugiam apressadamente de Lisboa, quando os canhões franceses já eram ouvidos. Em 22 de janeiro de 1808, toda a enorme comitiva aportava em Salvador, chegando finalmente ao Brasil. Em 28 de janeiro, D. João decreta a abertura dos Portos do Brasil às nações amigas. Em tese, um grande gesto político, que serviu para por fim ao sistema colonial no Brasil, e na prática, um grande agrado para a Inglaterra, que salvara sua vida e seu trono, que não precisava mais de intermediários portugueses para vir ao Brasil e fazer comércio.

Em 1815, o Brasil é elevado à categoria de Reino Unido (Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves). Em 1816, com a morte de D. Maria, finalmente D. João é coroado Rei. Um Rei europeu, uma corte europeia, no Rio de Janeiro.

Com a derrota de Napoleão em 1814, Portugal estava acéfalo. D. João recusava-se a sair do Brasil, mesmo com a pressão, sobretudo dos Ingleses, para seu retorno. Na concepção de D. João e da nobreza que havia se estabelecido no Brasil, o Império Português, à partir do Rio de Janeiro, seria uma nação renovada, com um novo espírito. O que não aconteceria se a corte voltasse para a velha Europa.

Porém, o liberalismo, que tanto assustava as cabeças coroadas, também varreu Portugal. Em 1820, a Revolução Liberal do Porto fez com que ele temesse por seu trono, por ter visto o que as ideias iluministas fizeram com o Rei da França anos antes. As cortes reunidas em Lisboa exigiram do Rei uma constituição, o restabelecimento do colonialismo no Brasil e o imediado retorno do Rei para Portugal. Em 25 de Abril de 1821, deixando seu filho Pedro como príncipe regente do Brasil, parte desgostoso para Portugal. Não antes de esvaziar os cofres do Banco do Brasil, por ele criado em 1808.

Temendo um retrocesso ao antigo status de colônia, as elites locais pressionaram o príncipe regente, que em 7 setembro de 1822, proclamou a independência. Diferente das ex-colônias espanholas, que mesmo nas mãos da elite viraram repúblicas, o fato de um príncipe europeu ter sido a liderança mais destacada do processo transformou o Brasil em uma Monarquia Constitucional, e D. Pedro coroado Imperador. A única das Américas (excetuando a breve experiência do México).

D. Pedro I, Imperador do Brasil

Embora tivesse Napoleão como herói e admirasse as idéias liberais, logo o caráter autoritário de D. Pedro como governante apareceu. Dissolveu a Assembleia Constituinte e fez de próprio punho a Constituição do Império, outorgada em 1824. Desde o princípio do Brasil como nação, uma característica vergonhosa e sórdida de nossa economia incomodava. Não tanto os brasileiros, mas principalmente, os ingleses: a Escravidão.

Navio Negreiro, de Johann Moritz Rugendas

O Brasil era totalmente dependente da mão de obra escrava, desde os primórdios da colonização. Era um grande e complexo negócio, que estava presente em nossa economia desde a chegada das primeiras caravelas. Primeiro, houve a tentativa de escravizar os índios, o que garantiu, além do lucro, a expansão portuguesa para o “sertão”. Somente em meados no século XVI começou o tráfico de africanos. Para absolutamente tudo se utilizavam escravos, desde trabalhos domésticos, venda de produtos, trabalho na agricultura, além de ofícios como barbeiros, sapateiros, ferreiros. Além disso, o tráfico de escravos era um dos negócios mais lucrativos do mundo. Foi tão lucrativo para todos que o Brasil foi último país do Ocidente a abolir oficialmente a escravidão. Transportar escravos da África para o Brasil era um negócio que poderia deixar um homem com uma riqueza incalculável. Um dos homens mais ricos e poderosos do mundo no século XIX era um traficante de escravos: o brasileiro Francisco Félix de Sousa, conhecido como Xaxá. Sua riqueza e poder eram tão grandes que praticamente dominou o Reino do Benin, na África, além de monopolizar o tráfico de escravos pela rota do Atlântico até a sua morte, em 1849.

Francisco Felix de Sousa, o Xaxá. Maior traficante de escravos da história

Qualquer pessoa que dispusesse de uma condição razoável de vida, comprava um escravo. Antes de uma ferramenta de trabalho, ter um escravo era um símbolo de status e ascenção social. Até mesmo ex-escravos possuíam escravos, para demonstrar a sua condição de libertos.

Os ingleses não gostavam da escravidão. Não devido a questões morais ou humanitárias, mas principalmente por uma questão econômica. A escravidão tornava os produtos produzidos no Brasil mais baratos e competiam diretamente com aqueles que eram produzidos nas colônias britânicas, que já haviam se livrado da escravidão. Esperava-se que com a “civilização” e a cristianização do continente africano (que era imposta pelos britânicos e pelas potências coloniais europeias) o transformasse em um grande mercado consumidor. Não aconteceu como esperado, claro. Mas a Inglaterra e a expansão do comércio assim o demandavam. Tanto que os ingleses condicionaram o reconhecimento da independência do Brasil a promessa de, no futuro, abolir a escravidão.

O Brasil comprometeu-se com a Inglaterra desde a independência a abolir gradativamente a escravidão. Em 1831 foi promulgada a primeira lei que proibia o tráfico de escravos para o Brasil, como resultado da pressão inglesa. Porém, as leis no Brasil eram feitas para inglês ver, ou seja, na prática, não tinham nenhum efeito. Porém, esta situação começou a mudar em 1845. Neste ano, o Parlamento inglês aprova a Aberdeen Act, uma lei que concedia poderes a Royal Navy de apreender ou até mesmo afundar qualquer embarcação envolvida com o tráfico de escravos em todo o mundo. Com a pressão exercida pela Inglaterra, finalmente o Brasil declara o tráfico de escravos uma atividade ilegal, com a Lei Eusébio de Queirós em 1850.

No Brasil predominava o latifúndio e a monocultura como base de sustentação econômica, e os proprietários de terra eram resistentes a possibilidade do fim da escravidão. Propostas de transição para o trabalho remunerado estimavam que o Brasil livrar-se da mão de obra escrava somente em 1930. Demasiado longe para suportar a pressão da Inglaterra que, apesar dos esforços em contrário do Imperador D. Pedro II, rotulavam o Brasil como país pouco civilizado (consta que o famoso naturalista inglês Charles Darwin, autor de "A origem das Espécies", ao visitar o Brasil em 1832, viu um escravo apanhando e odiou o país).

O Brasil precisava civilizar-se. E modernizar a sua economia. Para isso, era necessário abolir a escravidão. Para abolir a escravidão havia a necessidade de um processo de transição, em que os escravos fossem substituídos por trabalhadores remunerados. Mas não poderia ser qualquer trabalhador. Havia neste processo uma oportunidade que há muito era perseguida pelo governo e pela elite que dominava o país, e que não passou despercebida: a possibilidade de branquear o país através da imigração de europeus.

Autor: Cleandro G. Boeira, Museu Municipal Eduardo de Lima e Silva Hoerhann

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