Antecedentes da Imigração: O Brasil mais "branco"
No final do século XIX, o Brasil contava com uma população beirando os 18 milhões de habitantes. Mais da metade era composta de ex-escravos e seus descendentes.
Desde a assinatura da Lei Áurea em 13 de maio de 1888, a lei brasileira proibia que pessoas fossem tratadas como “peças” ou como coisas. Em tese, todos eram iguais perante a lei, o que a Proclamação da República, pouco mais de um ano depois, viria a deixar claro.
Princesa Isabel, chamada de "A Redentora", assinou a Lei Áurea em 1888
Mas, na vida real, não era bem assim.
No Brasil, ainda vigorava a ideia de que a cor da pele denotava superioridade ou inferioridade, tanto intelectual quanto física. E que se podia “melhorar” o ser humano. Sem um apoio da legislação, as pessoas que pregavam estas ideias apoiavam-se em uma pseudociência chamada Eugenia (e no racismo).
Escravos no Rio de Janeiro, 1876
A Eugenia surgiu na Europa, no século XIX, à partir das ideias de um britânico chamado Francis Galton. Em 1880, ao estudar as classes altas na Inglaterra, sugeriu que sua posição social era derivada do fato de que possuíam uma genética superior. E que era possível “melhorar” geneticamente as populações, esterilizando ou segregando as pessoas consideradas geneticamente inferiores. Estas ideias racistas foram amplamente difundidas durante o século XIX, sendo utilizadas em larga escala pelos nazistas em seus delírios de “raça superior”.
Mas, infelizmente, no Brasil isso era levado à sério. Por sermos um país basicamente de negros e índios e descendentes, eramos considerados inferiores e indolentes. O que cientistas como Gilberto Freyre (Casa Grande e Senzala) e Darcy Ribeiro (O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil) destacaram como nossa maior virtude, os eugenistas do início do século XX entendiam que era nosso pior pesadelo: a mestiçagem.
Era, portanto, fundamental que nosso país fosse melhorado. Não adiantava libertar os escravos e remunerar seu trabalho. Ou mesmo utilizar a sua mão de obra para povoar imensas áreas de terras devolutas no Sul do Brasil. Era importante substitui-los. Buscar na Europa pessoas com uma cultura considerada superior, que fossem alfabetizadas e, principalmente, fossem brancos.
Imigrantes no Porto de Santos, 1900
Dizia Sílvio Romero, de triste memória, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras: “Pela seleção natural, o tipo branco irá tomando preponderância até mostrar-se puro e belo como no Velho Mundo”, escreveu Romero em 1879. E complementa: “Dois fatos contribuirão largamente para esse resultado: de um lado, a extinção do tráfico africano e o desaparecimento constante dos índios, e, de outro, a imigração europeia.”
A “seleção natural” descrita aqui nada tem a ver com as ideias de Darwin à respeito da evolução das espécies. Referia-se a taxa de mortalidade de pessoas negras, que em 1908, era o dobro de pessoas brancas. Segundo o Anuário demógrafo-sanitário do Rio de Janeiro, morriam 25 a cada mil pessoas brancas, enquanto entre negros, morriam 67 a cada mil.
Esta estatística animou Sílvio Romero e seus colegas. A morte dos negros em massa era considerada benéfica, e trazer europeus para substitui-los entusiasmava quem compactuava com essas ideias.
Outro eugenista era o célebre escritor Euclides da Cunha. Igualmente membro da Academia Brasileira de Letras e autor de umas das mais importantes obras da Língua Portuguesa, Os Sertões, ele desprezava os negros e mestiços, associando-os à degeneração e a criminalidade: “O mestiço … é, quase sempre, um desequilibrado (…), um decaído, sem a energia física dos ascendentes selvagens, sem altitude intelectual dos ancestrais superiores”.
Euclides da Cunha
Porém, foi o médico Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906) que adaptou à realidade brasileira as ideias racistas do criminalista italiano Cesare Lombroso (1835-1909), criador da teoria do “criminoso nato”. Para Nina Rodrigues, no Brasil, o criminoso nato era o mestiço e o negro. Escreveu na obra “Mestiçagem, degenerescência e crime”, que o negro e o mestiço eram “naturalmente delinquentes”. À partir dessas ideias, sugeriu até mesmo uma reforma no código penal, onde criminosos negros e mestiços teriam penas mais severas. Além da psiquiatria, Nina Rodrigues estudava a cultura africana, que considerava inferior e bárbara, um “produto da marcha desigual do desenvolvimento filogenético da humanidade”.
Esta corrente de pensamento não estava restrita a escritores e médicos, estava presente também na política. Em 1926, o deputado Alfredo Ellis Junior, que também era historiador, protocolou um projeto de lei para dificultar a entrada de imigrantes negros e asiáticos no Brasil. Antes disso, em 1923, Oliveira Vianna, renomado jurista e membro da Academia Brasileira de Letras, havia apoiado um projeto semelhante, proibindo a entrada de imigrantes negros, restringindo a “imigração amarela” e estimulando a entrada de europeus em todo o país.
Durante a década de 30, especialmente no Estado Novo, a eugenia influenciou parte das politicas educacionais e migratórias no Brasil. A constituição de 1934 dizia claramente no artigo 138: “Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das respectivas leis: (…) estimular a educação eugênica” (alínea b).
Até mesmo a restrição racial de imigrantes, que era apenas um projeto de lei, foi oficializada no final do Estado Novo. No decreto 7.967 de 18 de setembro de 1945, assinado por Getúlio Vargas, dizia com todas as palavras que a entrada de estrangeiros (imigrantes) no Brasil estava condicionada “à necessidade de preservar e desenvolver, na composição étnica da população, as características mais convenientes da sua ascendência europeia” (Art. 2).
Após o Holocausto e as atrocidades cometidas pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial, as ideias eugenistas perderam força e passaram a ser motivo de piada. Mas, é importante ressaltar que a política de imigração no Brasil durante o século XIX e parte do século XX foi guiada por essas ideias racistas e sem qualquer fundamento científico. Obviamente, os imigrantes que chegaram ao Brasil durante aquele período nada tinham a ver com isso, e são inocentes quanto a aplicação perversa dessas teorias.
De certo modo, também foram vítimas.
Autor: Cleandro G. Boeira, Museu Municipal Eduardo de Lima e Silva Hoerhann
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